quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O homem com dois poços no lugar dos olhos- I

Conheci-o tinha ele dois poços sem fundo no lugar dos olhos. Eram poços mesmo, nem um vislumbre de branco, pupilas, íris. Só dois pequenos globos pretos e opacos, debaixo dos cabelos prateados pelo uso do tempo. Teriam algum dia escondido inseguranças, acendido paixões, encancarado convites? Não precisei de mover os lábios para perguntar. Porque quando caí, leve, na outra ponta do banco, no meio do parque, ele ficou tão surpreendido que me falou.

- Nunca ninguém se aproxima de mim. E, no entanto, sentou-se. Não temeu a loucura.

Quis dizer-lhe que conheço bem essa deusa odiosa, privo com ela em todos os minutos, conheço-lhe o hálito e o modo de caminhar - olha, lá está ela a rondar. Só que o homem prosseguiu, sem voltar o rosto para mim, os dois sentados no banco verde escuro. (Podíamos ser musgo, ninguém dá por nós, de qualquer forma.) Explicou por que razão daqueles olhos não escorria cor.

1 comentário:

UtopicPenBallet disse...

fiquei triste depois de ler.

beijo imenso*